Relato Prova Passaúna (60 km) Julho 2012
RELATO PROVA PASSAÚNA (60 KM) JULHO 2012.
Após a última prova em Morretes no início do ano, onde não obtivemos um bom resultado por problemas de navegação, nossa dupla decidiu treinar forte e eu como navegador decidi levar mais a sério a navegação.
Muitos acreditam na opinião que a habilidade de navegar só se desenvolve durante a corrida, onde a tensão da prova, baseada em não poder errar e ao mesmo tempo saber lidar com a navegação dos adversários sem ser influenciado por ela.
Desde o início da minha prática como corredor de aventura, acreditei que é possível treinar navegação fora das competições, utilizando mapa de alguma região, e se colocando em situação de corrida. Pensando assim, iniciei com o mapa de uma corrida realizada em Itaperuçú-PR e o explorei por 4 pedaladas, saindo de casa pedalando (25 km de ida mais 25 km de volta), mais o trecho da corrida escolhido. É uma região bem montanhosa e cheia de trilhas e estradas. Quebrei um monte a cara ali e também aprendi bastante.
Depois disso, tive a sorte de ter um calendário cheio de corridas de orientação, onde participei de duas etapas do circuito paranaense, duas do metropolitano e participei de duas clínicas, sendo uma delas só a pista de orientação e outra com parte teórica mais pista. Portanto foram 10 eventos de treinamento de navegação desde a última corrida, o que me fez ir para essa prova com muito mais confiança.
Outro ponto fundamental foi o treinamento físico da dupla. Fizemos poucos treinos junto, mas sabia que meu parceiro estava empenhado em correr numa forma física superior à que ele se encontrava na prova anterior, e sempre estávamos nos comunicando sobre o que estávamos fazendo de treino.
Eu estava indo muito bem, com treinos de corrida, pedalada e remo, desde a prova de Morretes no início do ano até o fim de junho, quando peguei uma gripe terrível que me deixou praticamente inútil por 5 dias, e depois curti mais uns 10 dias de ressaca para me recuperar totalmente dela. Nesse período achei melhor não fazer nada de treino, pois já estava debilitado e o inverno estava pegando forte para fazer qualquer atividade externa. Achei melhor me poupar com o pouco que me restava de condicionamento.
A PROVA.
No dia da corrida estava um sábado muito frio, largando às margens da represa que apresentava uma névoa. Chegamos no local às 7 hs para largar às 9. E com a quantidade de coisas que tínhamos para fazer (levar as bikes no ponto 7, traçar a estratégia de corrida e percurso no mapa, plastificá-lo, ouvir o briefing), não houve tempo para uma última refeição e nem para um aquecimento.
O organizador alerta que no PC1, havia apenas um caiaque duplo, e os demais eram simples, para apenas uma pessoa, o que o torna menos veloz e mais cansativo. Por causa disso, da largada até o pc1 era um trekking mas virou uma corrida em ritmo de 400 metros rasos. Nos destacamos eu e um integrante de um quarteto e demos a vida pelo caiaque durante treze minutos de corrida intermináveis, e quando chegamos lá haviam 2 caiaques duplos! Só nos restou olhar um para o outro e rir.
Dali em diante era água. Remamos por aproximadamente 2 horas e 40 minutos num caiaque pequeno, onde as pernas ficavam encolhidas e por consequência os braços tinham que se ajustar fora da posição normal, o que cansava muito mais para fazer o trabalho.
A única coisa que não treinei foi navegar na água. A coisa muda muito. A noção de distância e a leitura do relevo (margem) exigem muita prática. Além do fato de ter que remar, olhar o mapa e depois guarda-lo novamente para não perde-lo na água (seria o fim).
Chegamos ao suposto pc2 em primeiro, muito à frente dos demais e mesmo caprichando ao máximo não acertei exatamente o local do pc, que não era exatamente na margem, mas numa estrada um pouco retirada da margem, a qual não podia ser vista da represa (bom né?). Então subi por uma trilha que caía num pasto, e fui subindo me esquivando do boi que vinha na minha direção. Cheguei à tal estrada e corri nela nos dois sentidos, foi quando percebi que o pc estava mais à frente, e que meu parceiro já me aguardava há algum tempo. Quando cheguei à margem novamente é que os outros começaram a chegar e se perder conosco, e fomos avançando por água até que encontramos todos meio que juntos a tal trilha e o pc2.
O pc3 era na margem esquerda da represa (estávamos na direita), e o ponto de referência era o braço de terra dessa margem direita, que apontava diretamente para o pc3 do outro lado. Muitos, inclusive eu, erramos de novo por não usar a bússola pois da água, esse braço de terra apontava para uma entrada de água num ponto anterior ao que deveríamos ir, mas no mapa representava ser ali. Só a bússola tiraria essa dúvida. A única desculpa, pelo menos para mim, para não tê-la usado é que quando você pára de remar, no caso para se orientar com bússola e mapa, o caiaque começa a rodar, daí fica difícil posicionar corretamente. Se meu parceiro remava para manter o rumo e eu não, ele batia no meu remo... A verdade é que faltou um pouco de controle da ansiedade nesse momento e melhor administração da situação, onde meu parceiro poderia remar mais curtinho, só para manter o caiaque alinhado, enquanto eu navegava corretamente. Enfim, nessa muvuca, após termos largado em primeiro e com uma grande vantagem, acabamos assinando o pc3 em sexto.
O pc4 era na água também, mas a volta por água era muito grande e havia uma estrada a qual era possível chegar lá. A equipe podia se dividir nesse ponto e fui eu correndo, sem mochila e sem colete, com frio, fome, sede e com as pernas duras de remar encolhido. Fui e voltei passando alguns atletas mas eu não sabia quem eram, pois tinham quartetos e duplas correndo. Voltei até o pc 3, e só agora consegui dar um gole de água e engolir um mini pão que meu parceiro jogou para mim. Percebi que saímos na frente de algumas equipes que chegaram antes de nós, e indo em direção ao pc 5, passamos por todos que pudemos enxergar, e quando assinamos a surpresa: havia apenas uma dupla na nossa frente, com 35 minutos de vantagem.
Tínhamos que passar por mais 6 pc’s, e retornar até o outro lado da extensa represa, onde a chegada era o mesmo local da largada. Mas agora estávamos em terra firme. Correr e pedalar é o nosso forte.
Saímos da água com muito frio. Já era meio dia, e mesmo correndo por 10 ou 15 minutos morro acima, o ventinho que batia estava de cortar. Daqui em diante não houveram mais erros de navegação, mas meus maiores inimigos: o frio e a falta do hábito de se alimentar durante a corrida estavam começando a dar seus sinais. Meu parceiro sabia disso e me falava o tempo todo para comer e beber, mas eu, teimoso, com sanduíches e banana dentro da mochila ficava enganando com castanhas e nozes e pequenos goles de água. Eu precisava de muito mais, mas só fui saber disso mais adiante.
Assinamos o pc 6 e seguimos correndo em direção ao pc 7, onde estavam as bikes. Até o 6 não tiramos nada de tempo. Do 6 para o 7, um trecho bem mais curto, tiramos 5 minutos, onde provavelmente eles andaram e nós continuamos a correr.
No pc 7 e equipe deveria se dividir: um seguia por um lado sem as bikes, indo para o pc 8 ou 9, e o outro com as bikes iria para o 8 ou 9. Meu parceiro foi correndo a pé direto para o 9 (trecho mais curto) e eu, pedalando minha bike e empurrando a dele fui para o 8, pelo trecho mais longo. Decidi fazer assim porque em 2002, em uma corrida em São Luís do Purunã –PR, eu fiz essa mesma função e passamos por muitas equipes. Mas dessa vez, apesar de termos tirado 10 minutos de diferença (o que os deixava apenas a 15 minutos na nossa frente), esgotei quase todas as minhas forças e dali em diante, até a linha de chegada fui praticamente pregado. Dei tudo que pude nessa de empurrar a bike, mas as subidas e descidas eram muitas e a posição em cima da bike era terrível, para trocar as marchas e empurrar uma bike bem menor do que a que eu pedalava.
Nos encontramos e seguimos em direção ao pc10. Quando assinamos estávamos a apenas 4 minutos da dupla adversária e nesse ponto já sabíamos que também estavam na primeira colocação geral, pois passamos um quarteto forte que estava em primeiro.
Na metade do caminho para o pc11, os avistamos numa subida e mesmo eu estando pregado chegamos muito rapidamente neles e da mesma forma os ultrapassamos e abrimos 4 minutos quando eles assinaram o 11.
De alguma forma eu tinha certeza que ganharíamos, mesmo estando muito fraco e passando por um momento de quase apagão numa subida. Além disso tinha que lidar com a pressão dessa dupla, que poderia estar vindo atrás, ou poderia ter escolhido, dentre os vários caminhos possíveis até a chegada, um caminho mais fácil, com menos subidas e mais curto.
Decidi navegar procurando passar pelo máximo de estradas conhecidas, as quais já havíamos passado nos pc’s anteriores. Eles não fizeram exatamente o mesmo caminho que o nosso. Em termos de distância era praticamente a mesma, mas pegaram bem menos subidas mas mesmo assim chegamos na frente com 5 minutos de vantagem. Foi um esforço terrível para mim. Mesmo uma hora depois de chegar, comendo e bebendo de tudo eu tinha muita dificuldade em ficar em qualquer posição. Ficar em pé era ruim, andar era ruim, sentar era ruim, deitar era ruim. Chegamos às 3 da tarde e só à noite, já em casa é que comecei a me sentir um pouco melhor.
REFLEXÕES.
Dentre os pontos relevantes de aprendizado dessa prova, o que se destaca é a relação entre velocidade de deslocamento e precisão da navegação, e o que isso representa nas situações de trabalho e de vida em geral.
Outro ponto relevante é a questão da reposição energética e a dificuldade com o frio. Esse é um fato que nos remete a pensar no ritmo de vida em geral que levamos, o equilíbrio entre atividade e descanso, e também o reconhecimento das nossas limitações para melhor lidar com elas.
Na prova anterior, eu estava muito bem fisicamente e com muita autoconfiança, o que me fez errar a navegação por duas vezes, sendo a segunda vez um erro fatal que nos tirou da corrida. Nessa prova o condicionamento era bom mas não o ponto forte, e apesar de mesmo assim estarmos fisicamente acima dos demais competidores (pois mesmo eu chegando a quase “pregar”, conseguimos ultrapassar e abrir tempo dos nossos adversários), precisávamos navegar para acertar o caminho, e o cansaço acabou contribuindo com isso pois imprimiu um ritmo mais lento que me permitiu observar o mapa com mais calma e acertar praticamente tudo fora da água. Lembro-me bem da prova anterior onde priorizamos um deslocamento rápido e errei feio por duas vezes.
Acredito acima de tudo que a corrida de aventura é uma representação da nossa vida. O modo como levamos a vida acaba se evidenciando na forma como corremos uma prova como essa. Os erros os acertos, a vontade de vencer, o preparo físico e mental, o planejamento, nossas expectativas e o que fazemos para atingi-las.
Sendo assim a questão do ritmo mais lento melhorar a navegação, me faz perceber que é preciso encontrar um equilíbrio entre velocidade de deslocamento e velocidade de processamento da informação necessária. Na corrida, a meta é quem chegar primeiro e quanto mais rápido conseguir se deslocar e perceber todas as informações do relevo, distância percorrida, olhar para o mapa e para o caminho, remar, trocar de marcha, pedalar, correr, lembrar de comer e se hidratar, melhor o desempenho. Mas nas situações de vida e trabalho, o equilíbrio entre saber para onde está indo e saber o que, e em que tempo / velocidade fazer, é uma questão de fundamental importância para uma vida de qualidade atual e futura.
Saber o que queremos (profissional ou pessoalmente), o que não é uma questão muito fácil de se definir, deve andar de mãos dadas com o movimento que se faz em busca desse objetivo. Precisamos monitorar constantemente nossas ações procurando perceber se a forma, a velocidade, nossas percepções de vida, cuidados com nossa saúde e espiritualidade estão nos levando para o objetivo que traçamos anteriormente.
No trabalho, o foco é fazer e fazer, produzir até ficar morto de cansaço ou mesmo fazer tudo num dia só e depois ficar esgotado para o dia seguinte? Ou sabemos organizar uma agenda possível, com tarefas dentro de nossas condições físicas e mentais, sempre visualizando o fim maior da nossa função ou mesmo da empresa como um todo?
Na vida pessoal estamos adotando um ritmo que respeita nossos princípios e valores? Um ritmo e atitudes que não agridem nossa saúde física e mental?
A questão aqui é ritmo, produtividade e crescimento. Posso citar exemplos mais concretos na minha área de trabalho. Em outras áreas é preciso analisar a situação específica do funcionamento de alguma empresa para não virar aqui uma observação vaga e superficial. Mas o que vivencio na minha área de atuação como personal trainer, no que diz respeito aos limites entre ritmo/produtividade/crescimento, numa analogia com essa situação de corrida, é a seguinte: sou um profissional super capacitado, com diversos cursos, com uma experiência prática de vários anos e com muita energia para desenvolver meu trabalho. O ponto que pode levar ao desequilíbrio é preencher todos os horários da grade, trabalhando das 6 da manha as 10 da noite, com pouquíssimo tempo para planejar as aulas e resolver outros compromissos administrativos, achando que com a experiência e com uma “infalível” organização mental, conseguirá dar conta de tudo e ainda manter uma vida pessoal saudável nos relacionamentos e na saúde física.
Em função disso vão surgindo conceitos que só são realidade porque você os faz ser. Por exemplo: essa minha profissão é cansativa demais, não sobra tempo para fazer mais nada, ou esse ambiente de trabalho é uma loucura, estão todos me pedindo coisas ao mesmo tempo, acho que não sirvo para isso, logo vou ter que abandonar esse trabalho (ou a corrida), e meus familiares não entendem que estou sempre estressado e cansado quando chego em casa e preciso acordar cedo no dia seguinte, e querem mais coisas de mim.
Se você é um profissional autônomo tem grandes chances de acertar sua vida, basta você querer mudar o ritmo e “correr” numa velocidade que consegue processar de maneira eficiente todas as informações de forma controlada, com um desequilíbrio físico e mental dentro de seus limites (afinal toda atividade exercida gera um desequilíbrio). Limites esses medidos por um descanso capaz de lhe deixar a 100% novamente para o dia seguinte. Se você dorme e acorda cansado ou estressado está ultrapassando algum limite.
Se faz parte de uma empresa ou organização que quer andar num ritmo acima de um ponto de equilíbrio, com muita cobrança de produtividade, com pressão militarista sobre erros, monitoramento e controle que chegam a atrapalhar o funcionamento normal da atividade principal a que ela se propõe, e se não for possível estabelecer para você um ritmo saudável de trabalho, e percebe que ninguém pretende fazer nada para melhorar isso, é melhor planejar sua saída desse ambiente.
Veja que sugiro que antes de sair, é importante se reconhecer dentro desse furacão, e saber o que quer para si, e ainda procurar trabalhar de maneira autêntica, o que pode ser um ponto de luz que venha a reverter o quadro do ambiente em geral. Isso é muito difícil eu sei.
Outro movimento, é tentar perceber, e até conversar investigando se há algum plano, programa de treinamento, consultoria, ou ao menos uma percepção de que esse ritmo alucinante em busca de produtividade está chegando a ser desumano e perdendo o foco, por parte dos dirigentes.
A vida, ou mesmo uma corrida de aventura, passa muito rápido, mas a pressa de vencer os desafios ou de cumprir os objetivos, sejam eles de poder, financeiros, ou por uma medalha, não podem imprimir uma velocidade superior àquela que o seu todo suporta. Se perceber que está acelerando, e carregando algum ponto obscuro nos seus sentimentos e na sua compreensão, diminua o ritmo ou até pare um pouco. Valerá a pena porque você sabe que é forte e recuperará logo, e que o importante é ir até o final, da vida ou da corrida, cumprindo todas as etapas.
Numa entrevista do vocalista do U2, Bono Vox à MTV, o apresentador lhe pergunta o que achava sobre Kurt Cobain, vocalista da banda Nirvana que faleceu de overdose aos 28 anos de idade. Ele responde, não exatamente com essas palavras mas diz, olha, sinceramente eu admiro mais artistas como Robert Plant que já estão na estrada a tantos anos fazendo seu trabalho sincero do que esses supostos mártires da música.
Esses supostos mártires, agora minha comparação, correm desesperadamente para fazer algo novo, diferente, ou mesmo querem dar conta de uma infinidade de agenda de shows acima de suas capacidades humanas, que acabam precocemente de exercer o dom da música, da arte que lhes foi concedido.
O mesmo pode ocorrer conosco, quando buscamos desempenhos excepcionais em momentos isolados, muitas vezes exigindo demais de nossos limites físicos ou de compreensão. Levando a vida assim, ou a corrida, corremos o risco de ter que abandoná-la antes de concluir o trabalho. Correr riscos sim, mas de forma controlada.
A reflexão ainda continuará...